sábado, 14 de maio de 2016

Como conversar com um fascista (ou o poder do medo)

O outro, esse alguém que tratamos como se não fosse ninguém, é o desafio ético-político em uma sociedade que trabalha pela garantia de direitos fundamentais e pelo respeito à singularidade.


Então, ? O mundo é esse agora. Gente falando em cristofobia, com orgulho de dizer que há racismo contra brancos e que páginas no facebook que tratam a heteronormatividade com ironia são heterofóbicas. Hoje em dia, muitas pessoas deixam de conseguir empregos, são expulsas de shoppings e bares e até chegam a ser assassinadas porque são héteros, não é mesmo? Bitch, please.

Não tá fácil ler o que andam escrevendo pelo facebook da vida, não tá fácil conviver em sociedade e definitivamente não tá fácil ser uma militante da ditadura gayzista-feminazi-contra a família e o capetalismo-com o capiroto-pela banalização do brigadeiro de pistache, viu?

Por isso eu fui ler Como conversar com um fascista - reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro, da Marcia Tiburi. Porque é isso o que eu faço quando ando meio perdida (ou em qualquer ocasião), eu leio. Mas o que seria um fascista mesmo?

O diálogo se torna impossível quando se perde a dimensão do outro. O fascista não consegue relacionar-se com outras dimensões que ultrapassem as verdades absolutas nas quais ele firmou seu modo de ser.

Não é exatamente uma definição, mas explica bem qual é a ideia e o problema todo da coisa. Não enxergar e não conseguir se relacionar com o outro a ponto de querer aniquilá-lo. Infelizmente isso anda muito comum.

Ler o livro foi uma coisa meio estranha, eu ficava pensando que aquilo tudo era um exagero, mas, ao mesmo tempo, sabia que ela estava descrevendo com perfeição algumas pessoas que eu conheço. Talvez seja meu medo de enfrentar essa coisa horrível que o mundo está se mostrando ser.

Como conversar com um fascista já está na 5ª edição, não sei quais foram as tiragens, mas é a 5ª edição, pô. Será que dá pra ter alguma esperança na humanidade? O prefácio do livro foi escrito pelo Jean Wyllys, que fala:

A maioria da população brasileira está há décadas alijada do direito a uma educação de qualidade que lhe faça cidadã com capacidade de pensamento crítico e de reconhecimento da diversidade cultural e humana. A ampliação do acesso ao sistema formal de educação - incluindo aí o ensino superior -, sobretudo na era Lula, não significou acesso a uma educação de qualidade. 

A questão que ele levanta é importante. Mais pessoas tiveram acesso à educação, mas que educação foi essa? Só que é muito mais do que isso, os ditos estudados, os que frequentaram os melhores colégios e faculdades, também faltaram na aula de empatia. Todo mundo esqueceu da tia falando que não podia bater no coleguinha e nem rir dele. Falta acesso de modo geral, mas também falta uma educação mais humanizadora.

Como conversar com um fascista é composto por vários ensaios que tratam de diversos temas: afeto, ódio, genocídio indígena, analfabetismo político, indústria cultural, democracia, cultura de estupro, questões da intelectualidade e da linguagem e aborto.

Como disse, em alguns momentos me pareceu que a autora estava exagerando, mas o mundo anda tão maluco que eu me pergunto se não tive essa impressão porque vivo protegida dentro da minha bolha. Não consegui decidir. Mesmo assim, continuo achando o livro fantástico e o recomendo.

De tudo o que Marcia Tiburi diz, o que mais me chamou atenção foi a evidência do papel do medo em todo esse ódio e violência que se espalham por aí.

O mito da segurança tornou-se incontestável em uma sociedade movida pelo medo. O medo é o cerne profundo da conservação e, no extremo, do conservadorismo. Ouvir, que é, em muitos momentos, uma atitude muito mais importante do que falar, está fora de cogitação quando se tem medo.

Olha só essa frase! (Nada de ficar achando que o Brasil é um país cordial. Só o número de assassinatos de gays, lésbicas e pessoas trans, além dos casos de feminicídio já desconstroem o paranauê. Se colocar na conta o assassinato da população preta e pobre, dos indígenas, dos que lutam pela reforma agrária... gente, o horror.)

O Brasil nada carnavalesco e muito violento é ocultado, mas vem à tona quando se trata de usar o medo como fomento da segurança a ser vendida.

Não lembra as loucas falando que querem ‘oh-meu-deus-transformar-nossas-crianças-em-viados’? Peloamor.

Tem uma coisa importante. Todo mundo tem medo. Só que nem todo mundo saí por aí espalhando o ódio e querendo acabar com o que é diferente. Não dá pra tirar a responsabilidade de quem faz isso. É importante entender, porque entender facilita a busca por uma solução. Mas não vamos confundir as bolas porque:

O fascismo cancela, em nível do discurso exposto nas mídias, nos púlpitos e palanques que constroem opiniões públicas e mentalidades coletivas, a chance de pensar no que estamos fazendo uns com os outros, reflexão que poderia nos levar a uma vida mais digna e prazerosa.

Precisamos nos perguntar por que algumas pessoas entram nessa e outras não.

Alguém que tente dialogar de verdade com uma pessoa que vive para disseminar o ódio e a violência (seja por medo ou por qualquer outro motivo) tem a minha admiração. Eu ainda não consigo.

Para quem quiser saber mais sobre o livro e sobre a Marcia Tiburi, tem uma entrevista dela no blog da editora Record, que publicou o livro, você pode acessá-la clicando aqui:


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